Por trás das apps

domingo, 10 de janeiro de 2016


Por causa do artigo no dezanove, sobre a mais recente adição à família de aplicações de engates encontros, um tal de happn, dei por mim a lembrar me da minha última incursão nas apps, já há um par de meses.

Mais uma sexta feira em casa sozinho, munido de chá ,séries e uma dose generosa de tédio, levou a que reinstalasse pela décima vez o hornet no telemóvel. 
Finalizada a atualização, uma maré de caras familiares preencheu o meu ecrã, como um jantar de páscoa em família, em que somos rodeados por familiares afastados que vemos ocasionalmente mas dos quais nem o nome sabemos. 
O tempo passa, mas as caras continuam as mesmas.

Esperei, qual leão atento a observar a presa. 
Porque eles vêm sempre, se esperares tempo suficiente. 
Fui, passados uns minutos recompensado por um alegre zumbido.
Atraí um rapaz magro. alto, olhos castanhos e sorriso reservado, orelha furada e casaco de cabedal na foto de perfil, deixavam-se acompanhar por uma citação de de um qualquer poeta descrevendo a beleza do amor, mentiras de engatatão barato, presságio da profunda conversa que se seguiu.

"Olá lindo, tudo bem? :)"
"Tudo, e contigo?"
"Também. Vou adicionar-te aos amigos aqui no chat"
"Okay, pode ser. que fazes por estas bandas?"
"Quero conhecer alguém especial, um namorado, e tu lindo?"
"Acho que queremos todos isso, não é verdade?"
"Mostras-me a tua pila? É grande? Gosto de paus grandes" 

Seria um grande imbecil se ficasse deprimido com a noção de um quase amor que não passou da virilha para cima, tendo em conta a quota parte de casos semelhantes que já por lá apanhei. 
Mas não é sobre isso que falo. 
Não é sobre a concentração de homens interessantes consoante localidade geográfica, ou sobre as técnicas impressionantes de engate que deviam entrar para a nova lei dos piropos, de tão grosseiras e más que são.

É mesmo sobre as apps.

Culpam-se os grindrs da vida. os manhunts. e as nossas fracassadas vidas amorosas são-no assim por causa dessas diabólicas apps.
Afinal, porque é que as apps - de "encontros" - não resultam?
Não podemos ser nós gays. 
Afinal, os héteros também as usam!
Não somos só nós, minoria autosegregada e apreciadora de - aparentemente - grandes pilas e divas pop. a maioria de indivíduos reprodutores também põe o seu pezinho pelo Tinder, Badoo, e até o polémico secondlove (o site para relações extraconjugais, que curiosamente até á presente data não aceita inscrições de homens que queiram ter casos com homens, porque é uma aplicação de valores familiares, mesmo no que toca a encornamento).

E indignamos-nos com a ideia de um preconceito cerrado, que nos digam que somos todos promíscuos e só queremos sexo...
E podia perfeitamente escrever aqui uma coisa toda new age, positiva com unicórnios e coelhinhos a dizer que é tudo um complô.
Culpar a astrologia, afinal Marte está em escorpião. É por isso. 
Culpar as condições económico sociais. Afinal, com os ataques terroristas, ninguém tem cabeça para relacionamentos sérios, e com a crise sai mais barato comprar preservativos que dividir despesas com o namorado.

O problema, é que...
Somos mesmo nós.
Dizemos andar atrás de príncipes em cavalos brancos quando saltamos para cima do primeiro boi cobridor que der mole.
Porquê?
Porque é mais fácil.
Ter uns rendez vous descomprometidos, Poder dormir com quem queres e não teres qualquer tipo de ligação ao fulano, é infinitamente mais fácil do que saltar para uma tentativa falhada de namoro - falando por experiência própria, não necessária, já que podiamos chegar a essa conclusão só com lógica comum, mas hey.
E nem há nada de errado com isso. 
O problema é que ninguém gosta de o admitir. 
Podem gabar-se aos amigos, fazer da vida sexual uma newsletter semanal, mas chegados ás apps, há todo um nevoeiro de hipocrisia em torno do assunto.
E é este o maior problema.
Encorajamos o uso das apps, não como uma ferramenta para conhecer pessoas e tentar algo mais do que tirar a cueca, mas como uma eterna muleta. 
Quando devíamos encorajar a ideia de inclusão acabamos por nos segregar escondidos por trás das apps, a combinar quecas semi anónimas enquanto fingimos todos ser cartazes ambulantes dos direitos maritais dos LGBT.
Como se admitir que se gosta de dar umas cambalhotas de vez em quando, seja pecado capital, e nós, lado rosa da força, sejamos umas virgens casadoiras do século XVII prestes a ser desonradas em praça pública por admitir que não queremos casar e brincar ás casinhas, que queremos só divertir-nos.
E as apps viram uma ajuda para o senhor casado que votou contra a co adoção, mas nos fins de semana combina encontros com homens de pila grande, embora "não seja gay".
Uma máscara para quem tem medo de ser segregado pelos conhecidos e exerce a sexualidade em segredo, 
E depois, enchemos o peito para bradar aos quatro ventos que as apps são as culpadas. que antes das apps não era assim. 
Quando nos esquecemos, que quem usa as apps... somos nós.
E enquanto não não mudar nada, venham as apps que vierem melhores ou piores que o grindr, vai ser sempre contra producente para tentar atingir a igualdade que tanto defendemos nas redes sociais.

20 comentários:

  1. Concordo a 100% contigo.
    Experimenta o Moovz. É uma espécie de Facebook só para o pessoal LGBT, tenho gostado, só precisa de mais portugueses.

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    1. Desconhecia tal coisa, vou dar uma vista de olhos. Quem sobreviveu ao manhunt sobrevive a tudo xD

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  2. Não precisa ser os apps específicos, é possível fazer e observar o mesmo que se faz nos apps gays em outras redes sociais.
    Para quê tem servido o Instagram ultimamente aos gays? Facebook idem. Pode ser a rede social que for, vai encher-se de gays, daí para cá as intenções no geral permanecerão iguais. Todos desejam amar e ser amados, mas para alcançar esses desejos, primeiramente é preciso aceitar a natureza do que somos. A sonhada igualdade também mora na aceitação. Estabelecer relacionamentos para qualquer um implica movimentos que nos retira da nossa zona de conforto; para o gay há fatores a mais incluídos, e um deles é a vergonha de ser gay, junto às dificuldade de ser gay em uma sociedade heteronarmativa que sobre valora este último aspecto. A vergonha é incutida em nossas mentes desde a mais tenra idade, resulta do entorno social. Somado a todos esses fatores vem a parte da natureza humana que deriva nas mais diversas personalidades, talvez deste conjunto venha a preferência às relações furtivas, pautadas exclusivamente no sexo (não que isso seja ruim) e a dificuldade de se estabelecer relacionamentos.

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    1. Dize-se que homens serão homens e que somos sempre mais complicados de estabelecer relações, maturidade emocional e outros fatores, mas acho que o problema maior é mesmo persistir numa cultura de secretismo, em que o secretismo é visto como a melhor opção , quando na realidade devia motivar-se abertura e honestidade. Toda a história da promiscuidade é um outro universo que daria pano para muito mais debates, porque aí varia de pessoa para pessoa.

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    2. Exato. O secretismo é um cerne de muitas questões que nos envolve. Se pensavam que a internet nos traria a outro patamar sem a necessidade de nos esconder, se enganaram. O que se observa é a manutenção do mesmo modus operandi ou fortalecimento do mesmo sob outras roupagens.

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  3. O problema é lembra-me a velha problemática de "antes de deixar um bom mundo para os nossos filhos, deixemos bons filhos para o mundo". Ou seja, as apps tornam-se o que nós (aqueles que as usam) fazemos delas.

    Quando comecei a utilizá-las há uns anos espantou-me a facilidade com que as pessoas pediam sexo. Para mim sexo era o final de todo um processo, nunca o início.
    Agora espanto-me mais com alguém que não tenha o sexo como primeiro requisito para conhecer alguém.

    Usar as apps para provar (ou comprovar) que as pessoas que por lá andam não prestam, bem, é quase como ir fazer compras a uma loja careira qualquer só para depois poder dizer que os preços são altos.

    A mim não me estorva (pelo menos agora) que a maioria das pessoas utilize as apps como forma de conseguir sexo rápido. Estorva-me sim que se pense que toda a gente que usa as mesmas apps tem os mesmos objetivos, o mesmo cérebro vazio...

    Lembro-me de que uma das apps que mais abominei (e que não uso há anos) foi o manhunt. Todas elas podem ser mal habitadas, mas no que toca ao manhunt, mereciam um prémio. Os utilizadores parecem fotocópias uns dos outros.

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    1. Acho que não se trata de estorvar, porque não afeta ninguém diretamente. Não sei se toda a gente tem os mesmos propósitos exatamente pq tantos mentem, e não dizem diretamente o que querem. em vez de dizerem que querem dar umas voltinhas apregoam que querem namorado, e chega a uma altura em que ouves tantas vezes a mesma coisa que não dás crédito quando aparece alguém que diz querer e quer mesmo- na ocasião de encontrar mesmo alguém que queira algo sério, o que não é muito comum...

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    2. Verdade... Ou que estão a passar "por uma fase complicada", dasse, fases tem a lua...

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    3. Ah sim, as fases e as vidas complicadas tb, o apelo á culpa para nos sentirmos mal em fazer perguntas, coisa cheia de classe xD

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  4. Não existe nada de errado com os apps. O problema é e sempre será esta tal falta absoluta de um pouco mais de seriedade por parte dos homens. Ninguém anda mais querendo nada com compromissos, projetos e outros. Tudo se resume no prazer imediato. E ainda nos pomos a reclamar de nossa solidão.

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  5. Acho que estou vacinado contra as apps, e mesmo essas não me seduzem, se não conhecer ninguém, paciência. Não dizem que a culpa morre solteira?

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  6. Tudo já se disse, não vou dizer mais nada.
    Apenas que adoro quando usas a expressão "boi cobridor" xD

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    1. E eu digo-o de forma extremamente sensual, caso não saibas xD

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  7. "E as apps viram uma ajuda para o senhor casado que votou contra a co adoção, mas nos fins de semana combina encontros com homens de pila grande, embora "não seja gay"." Aqui disseste tudo! Quantos não são aqueles casados que batem a porta de casa com a mulher e os filhos dentro, indo então se encontrar com um homem para se satisfazer? Quantos?
    Enfim. Tive muitas experiências iguais às tuas, no entanto hoje estou bem e muito feliz graças a uma app e confesso que nunca esperei tal coisa acontecer porque até então pensei como tu... Aconteceu e não faço conta de voltar a utilizar alguma delas :P
    Fica bem.

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    1. Meh, acabei por desistir um bocado disso.
      Não me estava a servir de nada, senão de fonte interminável de desilusões.
      Daqui a uns tempos talvez mude de ideias e volte com o rabinho entre as pernas, mas por enquanto n me serviu de nada.

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  8. Sou do tempo em que não havia apps, eram apenas uns sites, e foruns. Conheci a maioria dos meus casos por aí. Conehci a maioria dos meus amigos por aí. conheci a maioria dos meus namorados por aí.
    Acho que é um meio.
    Como tantos outros.
    Há de tudo para tudo.
    E como na escola, no trabalho, na disco, é td uma questão de sorte. ;)
    Sorte e inteligência emocional.

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    1. É. a sorte feliz ou infelizmente não calha a todos. Como nunca ganho o euromilhões por lei estou obrigado a ter sorte ao amor, mas acho que ainda não chegou o aviso judicial que enviei ás entidades competentes.

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  9. Sempre veio a este blog porque amo o seu senso de humor e as suas histórias. Sou do Brasil. Li a sua postagem "A culpa é da Globo" e fui ao Google conferir a beleza do ator Marcos Palmeira nos anos 90. ele trabalhou na novela Pantanal, da Rede Manchete. Procure tb pela abertura da novela "Brega & Chique", anos 80-90. Há um belíssimo espécime masculino que aparece nu de costas, ao final. Muita gente assistia a novela por causa disso. E a TV brasileira era mais liberal naquela época.

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Respondo sempre e coiso.
(sou ótimo a motivar as pessoas hein?)